CREMESP
Renato
Françoso
“Não
podemos dosar a alcoolemia e nem mesmo atender ao crescente número de vítimas,
mas temos que mostrar nossa indignação”.
A sociedade brasileira tem assistido
estarrecida à crescente incidência de acidentes envolvendo motoristas
embriagados, com consequente morte de inocentes. A qualquer hora do dia ou da
noite, especialmente nos fins de semana, o noticiário é pródigo em revelar os
dados desta epidemia que nos assola ceifando vidas, em maior parte, jovens e
promissoras. A funesta adicção de álcool e drogas, associada à
irresponsabilidade e veículos potentes, causa tragédias irreparáveis nas vidas
de famílias que jamais serão confortadas.
Não são apenas as vidas daqueles que assumem
a direção dos veículos, incapacitados para tal, que estão em jogo. As pessoas
que desafortunadamente se encontram na linha de passagem, na hora errada, no
lugar errado, apenas exercendo seu direito de ir e vir, são vítimas desta
calamidade.
O governo de São Paulo vem encetando intensa
campanha publicitária contra a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos
visando conscientizar os proprietários desses pontos de venda da sua
responsabilidade na redução do consumo por adolescentes. A “lei seca” assustou
muita gente, no início, e hoje ninguém mais se preocupa com ela. Enquanto isso,
as estatísticas engordam, pessoas morrem e outras são feridas, muitas delas
mutiladas. O custo financeiro de cuidados a essas vítimas onera sobremaneira o
sistema público de saúde, mas se torna menor diante do sofrimento dos que
perdem familiares vitimados por inconsequentes.
Por trás de tudo isso está uma realidade
presente na vida dos nossos cidadãos, a impunidade. O motorista alcoolizado não
se dispõe a realizar o teste do “bafômetro”, nem concorda com a dosagem
sanguínea, e está tudo certo. Tem o direito de não produzir prova contra si
próprio, mesmo tendo assumido o risco de matar ao dirigir embriagado. Se
comprovado que não estava apto a dirigir, ainda assim, paga fiança, vai para
casa e aguarda todo o longo e quase sempre inócuo processo, que resulta em
quase nada, em termos de punição. E assim vamos nós. Vítimas de nossas próprias
leis. Vítimas de um sistema policial permissivo e um judiciário moroso, com
leis que permitem interpretações que beneficiam apenas o infrator.
Nós, médicos, que nos prontos-socorros
convivemos com a triste realidade de atender as vítimas desta doença social,
nos sentimos impotentes apenas tentando minimizar as consequências dos
acidentes, caso a caso. Não podemos dosar a alcoolemia, mesmo estando evidente
a embriaguez. Não temos à disposição recursos técnicos para o melhor
atendimento do crescente número de vítimas. Tampouco podemos intervir na
condenação dos infratores e, menos ainda, na gradação das punições. No entanto,
precisamos mostrar à sociedade nossa indignação. E acreditar, pelo menos nós,
que é possível reverter este dramático panorama no qual as mortes e mutilações
são dignas de Estados que enfrentam guerras. Devemos ocupar os espaços
possíveis na mídia, nos organismos sociais, clubes de serviço e escolas,
levando a reflexão sobre o que cabe a cada setor da sociedade realizar, para
que experimentemos uma forma de vida mais civilizada. Esta também é mais uma
das nossas responsabilidades.
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