Correio Braziliense – Opinião
» ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
No quinto artigo, a Constituição
Federal traz o direito à vida e à liberdade como garantias invioláveis do povo
brasileiro. Por vezes, dois direitos tão fundamentais são confrontados. E aí
surge a dúvida: entre a liberdade e a vida, com qual você fica? A capciosa
dúvida, claro, não precisa ser levada ao extremo, mas o fato é que, sem vida,
não há como reivindicar liberdade.
Ou seja, a liberdade possui
limites. O que não tem limites e é inquestionável é o direito à vida. Nem que,
para exercer esse direito em plenitude, o cidadão precise abrir mão da
liberdade por algum período. O direito à vida deve ser compreendido ainda de
acordo com uma visão global, incluindo na interpretação outros valores, entre
os quais se destaca a dignidade humana, presente na curta relação de
fundamentos da democracia brasileira.
E exatamente apoiada nos
fundamentos da democracia, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado está
analisando o PLS 111/10, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que
altera o artigo 28, da Lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, para estabelecer
pena de detenção de seis meses a um ano para o usuário de drogas, bem como a
possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por tratamento
especializado.
Parlamentares já introduziram
alterações ao texto original. Uma delas é a troca da prisão pela “internação
compulsória”. Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), relatora do PLS, a
dependência química é questão de saúde e não de segurança já que 98% dos
municípios brasileiros relatam problemas decorrentes do uso de álcool e drogas.
A Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP) cerra fileiras com a senadora e com os parlamentares que têm
o mesmo posicionamento. Para a ABP, o dependente químico não é criminoso que
precise de cadeia, é doente que necessita de atenção e atendimento
especializado porque já está sentenciado à prisão sem grades determinada pelo
uso das drogas.
Para o dependente químico e sua
família, a internação compulsória, muitas vezes, se torna a única garantia de
vida ou qualidade de vida. A ABP deixa claro, no entanto, que a internação
compulsória deve ser acompanhada e indicada por psiquiatra.
Os críticos à medida argumentam
que a internação compulsória expõe o caráter repressivo do recolhimento,
afinal, a aversão a qualquer período de internação psiquiátrica é forte ainda
nos dias atuais e baseia-se, principalmente, na legislação do direito à
liberdade.
Acontece que a ação humana não é
absolutamente livre, já diziam os filósofos. Todo agir está condicionado a
escolhas e só está em condições de fazer escolhas e agir com liberdade quem
melhor compreende as alternativas que lhe são oferecidas.
Sim, o direito à liberdade é
muito importante, mas não é possível ser livre se se está preso a doenças
mentais ou dependência química que, em última instância, levam o cidadão a ter
comportamentos obsessivos, repetitivos, compulsivos, impulsivos, disfuncionais,
autolesivos, suicidas de tal modo avassalador que ele perde a capacidade de
amar e de trabalhar. Está preso a um automatismo mental que ele próprio
reconhece ser tirânico e do qual não consegue se libertar.
Como afirma o
filósofo-psiquiatra Henri Ey, o indivíduo perde a liberdade de decidir o que é
bom e mau para si mesmo, perde até a liberdade de “pecar” por conta própria,
dado o determinismo biológico e psíquico doentio a que está submetido. Espero
nunca ser necessário fazer uma escolha que coloque em oposição o direito à vida
e o direito à liberdade, mas se, para ter vida em plenitude, precisar abdicar
de algum período de liberdade em local adequado, que assim seja.
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