‘De 18% a 26% dos tratados não voltam à
criminalidade', diz especialista.
Tara Kunkel discute projetos no Brasil; promotor
diz que falta estrutura.
Fábio Tito Do G1, em São Paulo
A experiência dos Estados Unidos com os tribunais
de drogas, programas de reabilitação para acusados de pequenos delitos
relacionados ao uso de substâncias ilegais, tem servido de exemplo para a
aplicação de projetos similares no Brasil. É para isso que a especialista Tara
Kunkel chegou nesta quinta-feira (17) a São Paulo. Por mais de 10 anos, ela
comandou um tribunal de drogas no estado da Virgínia, depois de ajudar a
escrever a legislação do estado sobre eles e fundar a primeira organização sem
fins lucrativos para apoiá-los. Ela participa nesta quinta de um seminário em
São Paulo sobre o assunto.
Hoje à frente do Centro Nacional de Tribunais
Estaduais dos EUA, Kunkel explicou em entrevista ao G1 como o sistema funciona
nos Estados Unidos.
A especialista americana Tara Kunkel diz ao participar
de seminário sobre tribunais de droga em São Paulo: "São dois os objetivos
principais dos tribunais de droga: um é ajudar a pessoa a superar o vício
através de tratamento e supervisão, e o segundo é parar o ciclo em que essas
pessoas entram de voltar ao Sistema Judiciário por conta de novos crimes. E
esses dois andam de mãos dadas", afirma.
Existem hoje nos Estados Unidos mais de 2.500
tribunais de drogas e, segundo a especialista, oito em cada dez dependentes que
participam de um programa de reabilitação conseguem se livrar das drogas. E
estudos mostram que, a cada dólar gasto no tratamento, o governo americano
economiza US$ 3 com prisões.
Como
funciona
Para esclarecer como funcionam os tribunais nos
EUA, a especialista usou como exemplo o caso de uma mulher de 35 anos que já
tinha sido presa diversas vezes por queixas ligadas a drogas, era viciada em
crack havia 15 anos, tinha perdido os dois filhos por dificuldade em criá-los e
passou a se prostituir.
São dois os objetivos principais dos tribunais de
droga: um é ajudar a pessoa a superar o vício através de tratamento e
supervisão, e o segundo é parar o ciclo em que essas pessoas entram de voltar
ao Sistema Judiciário por conta de novos crimes. E esses dois andam de mãos
dadas"
Tara Kunkel, do Centro Nacional de Tribunais
Estaduais dos EUA
Um acordo foi feito na corte, e ela aceitou
participar do tratamento por um período de 18 meses, além de se submeter a
exames para verificar seu progresso. "Durante esse período, ela conseguiu
um emprego pela primeira vez na vida, recuperou a guarda dos filhos, ficou
todos os 18 meses sem consumir drogas e hoje tem sua própria casa. Ela já está
livre do vício há 5 anos."
"Há uma equipe que trabalha em cada caso ao
longo de todo o período: oficiais de Justiça, médico, policiais e o juíz. Eles
revisam o progresso a cada semana ou a cada 15 dias", conta.
"Ao final, a maioria dos tribunais nos EUA
opta por retirar as queixas contra o acusado no caso de o programa ser
completado com sucesso. No caso dessa mulher, as duas queixas que teriam a
levado à cadeia foram retiradas. Isso serve como uma grande motivação para
essas pessoas", completa.
Reincidência
Segundo Kunkel, o índice de pessoas que segue sem
voltar à criminalidade é menor que o de pessoas que apenas se livram do vício,
mas isso demonstra que há progresso.
"Vemos que, nos Estados Unidos, a ação dos
tribunais de drogas diminui a reincidência criminal em um índice entre 18% e
26%, comparado com o das pessoas que não passam pelo programa. E em grande
parte isso ocorre porque aquele vício está sendo tratado pela primeira
vez", afirma.
Durante esse período, ela conseguiu um emprego pela
primeira vez na vida, recuperou a guarda dos filhos, ficou todos os 18 meses
sem consumir drogas e hoje tem sua própria casa. Ela já está livre do vício há
5 anos"
Tara Kunkel
O conceito foi criado em 1989 nos EUA. Em vez de
cumprir pena na prisão, os acusados por pequenos delitos participam de
programas de reabilitação (reuniões de grupo e prestação de serviços à
comunidade), que têm por objetivo tratá-los da dependência química e
reintegrá-los à sociedade.
Segundo Kunkel, o acompanhamento dos pacientes
revelou também que houve melhoria significativa em outras áreas da vida dos
participantes, tais como frequência e rendimento escolar (no caso de
adolescentes), adesão a atividades profissionalizantes, reorganização da vida,
convívio familiar e percepção sobre o uso de drogas.
Modelo
brasileiro
No Brasil, o modelo ainda é relativamente novo, e o
termo usado tem sido justiça terapêutica. Mas experiências similares já são
adotadas por 20 estados brasileiros e o governo federal vem discutindo mudanças
na lei nacional antidrogas para poder incorporá-lo. Responsável por um dos
exemplos de programa de justiça terapêutica, Paulo Sérgio Sobrinho, promotor de
Justiça Criminal do Fórum de Santana, em São Paulo, afirma que falta uma estrutura
mínima para que o sistema funcione com mais eficácia no Brasil.
A corte de drogas [nos EUA] não existe só em função
do juiz ou do promotor. Ela tem uma estrutura enxuta que permite que o juíz
continue trabalhando nos demais casos sem ter que parar, por conta da estrutura
de apoio"
Paulo Sérgio Sobrinho, promotor de Justiça Criminal
do Fórum de Santana
"Creio que se houvesse a aplicação de recursos
mínimos para articular mais esse tipo de atendimento, ele teria mais
resultados. Muitas vezes, a pessoa não tem condições de chegar ao local e passa
a faltar. Se houvesse como auxiliar essa pessoa de forma regular, isso seria
uma grande ajuda. Também falta mais treinamento para os funcionários do
Judiciário e do Ministério Público", aponta o promotor.
Ele elogia a maneira como o auxílio é dado nos EUA,
com a noção de time ou equipe acompanhando o caso. "A corte de drogas [nos
EUA] não existe só em função do juiz ou do promotor. Ela tem uma estrutura
enxuta que permite que o juíz continue trabalhando nos demais casos sem ter que
parar, por conta da estrutura de apoio", o que não ocorre no Brasil.
"Hoje nós fazemos algo parecido em Santana com
o apoio dos promotores, funcionários, organizações (como Alcoólicos Anônimos,
Narcóticos Anônimos etc.), e muita vontade. Faltam verbas e meios para levar
melhores condições às pessoas que precisam ser tratadas", afirma Mário
Sérgio.
Seminário
O seminário “Tribunais americanos de droga – a
saúde pública e a justiça terapêutica”, promovido pela Escola Superior do Ministério
Público (ESMP), com o apoio do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, será
às 18h na sede do Ministério Público de São Paulo (Rua Riachuelo, nº 115,
Centro). O evento terá transmissão ao vivo pelo site da ESMP (www.apmp.com.br).
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