Em março foram concedidos 4.120 benefícios, uma média de cinco por hora.
Aumento de afastamentos do emprego nos últimos seis anos foi de 69,6%
Fernanda Aranda , iG São Paulo
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Licenças
trabalhistas para tratar alcoolismo e outras drogas crescem 69% em cinco anos
O mês de março fechou com um recorde
histórico de licenças médicas concedidas para trabalhadores, de todos os
setores, se tratarem de dependência química. Em 31 dias, 4.120 benefícios
previdenciários do tipo foram registrados pelo governo federal, uma média de
cinco afastamentos por hora.
O levantamento feito pelo iG Saúde nos
bancos de dados do Ministério da Previdência Social mostra que o aumento é
anual e gradativo. Entre 2006 e 2011, o crescimento acumulado de licenças nesta
categoria foi de 69,9%, pulando de 24.489 para 41.534 no último ano.
Na comparação, os afastamentos por
dependência química cresceram mais do que o dobro da elevação registrada de
postos de trabalho com carteira assinada no País. Enquanto os empregos formais
tiveram alta de 6% entre 2010 e 2011 (segundo o IBGE), as licenças deste tipo
ampliaram 13,9% no mesmo período.
Evolução de
licenças trabalhistas
Dependência química cresce entre os motivos para o afastamento do
trabalho
INSS
O álcool é a locomotiva do aumento, sendo a
droga que mais aparece como responsável por afastar do trabalho por mais de 15
dias médicos, advogados, funcionários da construção civil, professores e todos
outros empregados com carteira assinada. Em seguida, probleas com cocaína,
maconha e medicamentos calmantes são apontados como motivos para os
afastamentos.
Para o diretor do Departamento de Políticas
de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência, Cid Pimentel, a
ampliação de licenças por uso compulsivo de substâncias entorpecentes evidencia
três fenômenos: “Há um evidente aumento do consumo de drogas pelos brasileiros
e isso repercute, de forma devastadora, no desempenho profissional”, diz.
“Mas há também uma maior sensibilização por parte das empresas em
reconhecer a dependência química como uma doença e não mais como uma falha de
caráter. Outra influência no aumento é o fato da notificação estar mais
precisa. Antes os casos ficavam escondidos”, explica Pimentel.
A vendedora Alice, 20 anos – atualmente em
tratamento em uma clínica de reabilitação particular – confirma que bebeu
durante o expediente por anos até ser convidada pelo chefe a buscar ajuda
especializada. Acredita que muitos clientes sentiam o cheiro etílico das doses
de pinga e cerveja, que começava a beber às 10h. “Meu chefe falou comigo. Disse
que me daria todo apoio caso eu procurasse ajuda médica e que poderia voltar a
trabalhar depois de recuperada. Eu aceitei a oferta, pedi licença médica de
três meses, mas tenho medo de não ter mais trabalho quando sair.”
Levantamento: Mulheres
jovens e homens de meia idade lideram abuso de álcool
Portas fechadas
O medo de Alice não seria justificado pelas
leis trabalhistas, que garantem 180 dias de estabilidade após tratamento
médico. Mas na prática, afirma o coordenador da Federação Brasileira de
Comunidades Terapêuticas, Juliano Marfim, ainda há muitas dispensas após a alta
dos dependentes. “Há um preconceito muito forte por parte dos empregadores e,
após o tratamento, as demissões são constantes”, afirma.
“Nos nossos cursos de formação de terapeutas para tratar de dependentes
químicos, temos um número muito alto de ex-usuários que simplesmente não
conseguiram voltar para as suas funções de origem. Eu mesmo, que estou em
abstinência há 5 anos, não consegui mais trabalho na área administrativa, onde
sempre atuei. Acabei trabalhando com as drogas.”
Mauro, 41 anos, limpo há 9 meses, também não voltou mais para o ramo
comercial.
“As portas se fecham”, diz ele que agora trabalha na recuperação de
ex-usuários”.
“Essa postura por parte das empresas precisa e deveria mudar. Porque a
pessoa para conseguir sustentar o vício acaba desenvolvendo algumas habilidades
de sedução, de improvisação, de convencimento, por exemplo, que podem ser
revertidas positivamente e exploradas no mercado de trabalho”, acredita Marfim.
Rede de apoio
Apesar das dificuldades relatadas pelos
ex-dependentes para voltar ao mercado de trabalho, algumas empresas decidiram
criar uma rede de apoio para acolher os profissionais envolvidos com álcool e
drogas. Por meio das equipes de recursos humanos e de médicos do trabalho, as
instituições fazem a abordagem de funcionários com indícios de abuso de drogas
lícitas e ilícitas e estendem a oferta de terapia de reabilitação também às
famílias. É o que conta Carlos Netto, diretor de gestão de pessoas do Banco do
Brasil, uma das empresas citadas como referência pela Previdência Social na
área de atendimento da dependência química.
“Um dos nossos focos de atuação é a reinserção do profissional
encaminhado ao tratamento”, conta Netto.
“Ele é gerenciado por nossas equipes e, em alguns casos, realocado em
outros setores, ficando mais próximo de casa. Entendemos que o trabalho é um
mecanismo importante na recuperação, garante não só a renda mas a autoestima.”
Relação com a
profissão
A dependência de álcool é uma doença de
múltiplas causas, influenciada pela genética, pelos hábitos, pela história de
vida e também pela ocupação profissional. Os cientistas ainda não conseguem
responder com plena certeza as razões concretas que levam uma pessoa ficar
viciada, mas as pesquisas encontram cada vez mais um elo com a profissão
exercida.
A última publicação que coloca luz nesta
relação foi feita por médicos canadenses. Realizado com 10.155 trabalhadores, o
estudo avaliou as contribuições da posição hierárquica dentro da empresa e das
condições de trabalho, como salário, estresse e demandas físicas e
psicológicas, para o consumo indevido do álcool no ambiente de trabalho.
De acordo com estudiosos do Centro de
Informações sobre Álcool (Cisa) do Brasil – que avaliaram os resultados – “o
cargo profissional é sugerido como um importante fator motivador para o uso e
abuso do álcool, muito mais influente do que as condições de trabalho.”
Executivos, diretores e administradores de
altas gerências (“upper managers”) formam um grupo com padrão de consumo de
alto risco, com propensão de beber exageradamente (10 ou mais doses para
mulheres, e 15 ou mais doses para homens) 139% maior do que a apresentada pelos
trabalhadores abstêmios ou que não haviam bebido na semana anterior à pesquisa.
No Brasil, inquérito feito pelo Ministério
da Saúde já havia constatado que as pessoas com maior escolaridade são as que
mais exageram no consumo etílico. Os dados mostram que 20,1% dos adultos com
mais de 12 anos de estudo bebem acima da média, índice que cai para 15,9% entre
os menos instruídos (com até 8 anos de estudo).
Ainda que a dependência química tenha
impacto crescente no ambiente de trabalho, esta doença não figura entre as 10
que mais afastam trabalhadores. No ranking feito pelo iG , dor nas costas é a
primeira entre os benefícios previdenciários concedidos.
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